sábado, 20 de novembro de 2010

One Shot de Teen Titans - A Última Noite

Minha primeira One Shot, escrita... Há muito tempo atrás. HUEHUEHUEHUEHEU
Já foi postada no Nyah! Fanfiction por uma amiga minha, e as críticas foram boas, até. Bom... Join! :D


-----



E ali estava eu outra vez, sentada pela terceira vez em uma semana naquele enorme sofá da torre T, tão macio, tão confortável e tão familiar para mim. Sentia um vento forte entrar pela janela aberta e bagunçar um pouco meus cabelos vermelhos. Nem ligava para isso, sequer sabia que horas eram! Olhei para o relógio pendurado na parede a minha esquerda, e não me assustei ao perceber que passavam de quatro horas da manhã. Não. Não me assustava mais com nada, nos últimos dias.



Alisei o estofamento arroxeado ao meu lado, estava simplesmente imersa em meus próprios pensamentos. Alguma coisa me dizia que algo realmente ruim viria a seguir. Talvez... instinto? É. Talvez fosse o que os terráqueos chamavam de "intuição feminina". Levantei-me e bati minhas mãos em minha saia, como se tentasse arrumá-la. Aquela saia, que Robin odiava - e ao mesmo tempo amava - tanto! Corei levemente com essa lembrança... O dia em que nós finalmente nos beijamos, em Tókio. Definitivamente, foi um bom dia, e a semana fora melhor ainda! Suspirei e, silenciosamente, caminhei até a janela aberta. Apoiei minhas mãos na parede e suspirei pela segunda vez naquela madrugada. Olhei para baixo, sentindo algo como uma garra apertando fortemente minha garganta e, ao mesmo tempo, meu coração. Balancei a cabeça algumas vezes, sentindo meus olhos esverdeados começarem a ficar irritadiços. Sabia que eles estavam se enchendo de lágrimas, só não sabia o motivo daquilo! Abri-os e fechei a janela o mais rápido que pude. Abracei meu próprio corpo logo depois, enquanto encostava-me na parede e olhava para fora, para o mar ali em baixo. Ouvi passos, embora que baixos, e virei-me de súbito. Arregalei os olhos ao reconhecer aquele cabelo negro um tanto espetado, aquela máscara que escondia tão lindos olhos - que eu sabia bem, eram azuis - e, o mais assustador de tudo, o uniforme colorido daquele garoto que eu, Estelar, tanto amava.



- Deveria estar dormindo. - Ele me disse, com um tom de voz um tanto frio demais para a ocasião. Estranhei ele não arregalar os olhos e não me chamar pelo nome, como sempre fazia em dias como este.



- Não consigo. - Respondi, sentindo os olhos começarem a arder novamente. Ele continuou com sua expressão impenetrável, o que era praticamente um milagre para mim. Sorri para ele, mas ele não me correspondeu o sorriso. Foi aí que eu percebi a mala aos pés de Robin. Arregalei meus olhos pelo que me parecia ser a terceira ou quarta vez naquela noite e dei dois passos em sua direção, ainda abraçada a mim mesma. Parei a poucos centímetros dele e apontei para a pequena maleta marrom aos seus pés, quase imperceptível naquela sala iluminada apenas pelo luar lá fora. - Aonde vai?



- Voltar para Gotham. - E o que mais me assustou não foi à notícia. Não, eu sabia que o tal Batman tinha enviado uma carta para Robin há uma semana atrás. O que me assustava era a expressão ainda impenetrável em seu rosto pálido.



- Voltar para Gotham? Agora?!



- Sim, agora. Estelar, vá dormir. É a terceira noite que passa em claro.



- Não pode esperar até mais tarde?! Não quer se despedir de seus amigos, Robin?! - Senti meus olhos encherem-se de lágrimas novamente, e amaldiçoei-me mil vezes por ser tão fraca a ponto de chorar por uma notícia tão simples. Ele me respondeu com um simples e frio "não", enquanto se abaixava para pegar a alça de sua maleta. Finquei minhas finas unhas em meus próprios braços, causando uma pequenina e passageira ardência, que eu não liguei muito. - Por que não?! Por um acaso o tal Batman é mais importante do que seus amigos, Robin?



- Talvez seja. - Ele virou-se enquanto falava, e pude notar que ele cerrava os punhos envolto com as costumeiras luvas esverdeadas, apertando aquela alça com demasiada força.



- É mais importante do que eu?



Talvez minha questão não tenha tido o impacto que eu queria, pois ele não vacilou um passo sequer em direção à porta. Apenas virou-se levemente ao colocar a mão na maçaneta de aço, e eu pude perceber que ele semicerrava os olhos. Decidi segui-lo e caminhei em passos decididos em sua direção.



Nenhuma palavra foi dita - embora eu quisesse muito perguntar a ele o que havia acontecido para tão brusca mudança de comportamento - até chegarmos à garagem e ele prender firmemente sua pequena mala marrom em sua moto e pegar o capacete. Olhou para aquele objeto que eu tanto adorava por algum minuto, antes de estendê-lo a mim com as duas mãos. Ele olhava para a moto quando falou:



- Fique com isso, Estelar. Eu não vou precisar.



- Mas você não pode...



- Eu disse para pegar. - Desesperei-me com seu tom de voz repentinamente agressivo, e pude sentir meus olhos lacrimejarem novamente, agora com mais força do que às vezes anteriores. Fechei-os com força e mordi meu lábio inferior enquanto pegava trêmula, o maldito capacete. Abracei aquele objeto e olhei para Robin, que continuava com uma expressão impassível, embora eu estivesse vendo perfeitamente uma pequena gotinha cristalina brilhar em sua bochecha esquerda sob a luz do luar, que entrava pela garagem aberta.



- Estelar... - Ele aproximou-me de mim e tocou levemente meu cabelo. Bagunçou-o um pouco, como costumava fazer a dois dias atrás, quando, subitamente, meu amado se fechou para o mundo e trancou-se em seu próprio quarto.



- Robin... - Encarei-o na máscara, nos olhos, e ele baixou os olhos e se afastou. Sabia que ele era realmente tímido, mas não poderia, ao menos, dar-me um beijo de despedida?! - Robin, por favor, espere. Espere só mais uma semana, por favor. Fique só mais uma semana! - Comecei a implorar a ele enquanto tentava, em vão, conter as lágrimas que manchavam meu rosto um tanto dourado.



- Você sabe que não posso. Ele me deu um prazo de uma semana. - Robin montou na moto e deu a partida, preenchendo o silêncio da madrugada com um enorme ronco. Não me assustei com isso, mas sim com o fato de ele sequer olhar para mim durante o ato.



- Quando você volta? - Sussurrei, sentindo minha cabeça rodopiar. Ele apenas olhou para mim e eu pude ver outra gotinha cristalina, agora na bochecha direita. Foi aí que eu percebi. - Você não vai mais voltar, não é?! Claro... TUDO PRA VOCÊ É MELHOR DO QUE VOLTAR PRA GOTHAM, NÃO É?!



- Você não entende... Se eu não voltar, ele... Estelar, ele vai te matar. Eu... Eu não posso deixar ele te matar. Ele só vai te pegar se eu estiver com você. É a mim que ele quer não a você! Eu não vou mais deixar ninguém se machucar por minha culpa.



Agora, sim, eu sabia o motivo de tamanho aperto no coração. Robin estava fugindo. Fugindo de mim, fugindo de Batman, fugindo da vida! Eu fechei com força os olhos, sentindo minha cabeça latejar com força. Isso sempre acontecia comigo quando eu brigava com alguém, mas sempre era muito, muito pior quando era com ele a briga. Ouvi o ronco aumentar de intensidade e, lentamente, desaparecer, dando lugar ao silêncio mórbido da escuridão. Abri meus olhos com força a tempo de ver a moto do menino-prodígio sumir no horizonte. Deixei o capacete cair no chão, e meu mundo desabar lentamente sobre minha cabeça.



Ele não tinha dito nada... Não tinha dito as três palavras que eu só gostava de ouvir da boca dele, com aquela mesma voz. Podia ser até mesmo no mesmo tom frio!

Eu só queria que ele voltasse. Só queria que ele dissesse "eu te amo" de novo. Só... Só uma vez. Uma vez sincera. Um beijo de despedida, algumas palavras doces para que eu me lembrasse, para o resto de minha existência, quem era homem que eu amava. Era só isso que eu precisava só isso.

Mas parecia que até mesmo aquilo era caro demais para ele.



E o silêncio da madrugada foi preenchido pelos meus soluços descompassados, pelo som de meus passos desengonçados pela torre T. Eu procurava chegar à laje, no topo da torre, e assim o fiz. Cheguei lá em cima ofegante e quase sem respirar, devido às lágrimas que banhavam meu rosto e aos meus soluços, cada vez mais altos. Engoli em seco e abracei-me novamente enquanto sentia o vento gelado da madrugada invadir-me os pulmões. Foram precisos apenas dez passos para que eu chegasse à beirada da torre. Senti novamente uma enorme mão com garras e espinhos apertar-me fortemente o coração ao olhar para baixo, para as pedras - algumas um tanto afiadas - banhadas pelas ondas do mar negro, sempre indo e vindo, indo e vindo. Sempre inabalável tal como a lua cheia que o iluminava com seu brilho prateado. Não suspirei. Não hesitei, sequer pensei no que estava fazendo. Não conseguia voar, não com a tristeza e o desespero que assolavam meu coração. Eu sabia que nunca mais o teria em meus braços novamente. Eu sabia que nunca mais sentiria seus beijos e abraços, e que nunca mais ouviria sua voz, seja brincando ou falando seriamente.



Eu simplesmente havia perdido a razão de minha existência.



Foi fácil. Eu simplesmente deixei o peso de meu corpo exausto cair para frente. Não fechei os olhos como qualquer terráqueo faria. Não. Eu queria que meus olhos fossem a primeira coisa, a primeira parte de meu corpo, a bater no chão, pois eu nunca mais o veria. O vento parecia empurrar-me, fazendo com que eu ganhasse mais velocidade em minha queda, e as ondas do mar, inabaláveis, continuar banhando as enormes pedras abaixo de mim, enquanto eu continuava caindo, e caindo, e caindo...



... Por toda a eternidade, enquanto as palavras não-ditas por Robin martelavam em minha cabeça.



"Não deixe de demonstrar seu carinho para com quem ama. Pois, no fim, talvez seja tarde demais."

O Ganido do Cão - Capítulo I

"A luta não parecia ter o menor sentido, agora que o único motivo de minha batalha se fora sem muitas chances de voltar. Mas eu não me entregaria – eu dificilmente me entregava para qualquer coisa -, a morte teria que esperar.
Lembro-me bem de como era bom ter um motivo para viver. Você se sente vivo, preenchido. Então, o motivo de viver lhe trai, e as lembranças daquele tempo feliz é a única coisa que te prende à sanidade.
Querem ouvir uma história? Vou contar a vocês como vim parar nesta enorme cama branca, em um dos melhores hospitais de Jump City!
Oh, que indelicadeza a minha. Meu nome é Dick Grayson."




Era interessante como aqueles malditos valentões do colégio me perseguiam constantemente, diariamente. Claro, eu podia muito bem acabar com a garganta daquela dúzia de pseudo-fodões em dois tempos, mas... Para ser franco, eu tinha medo. Medo do futuro, medo de ter o mesmo destino de minha falecida mamãe.
            … Claro que engravidar não era um problema pra mim. Eu acho.

            O celular tocou uma música quase tão antiga quanto ele. The Guillotine, do Escape the Fate. Eu gostava do início daquela música, o único problema era que o início era tão forte que, bem...
            - AI! Droga! - Eu disse, acariciando as costas ao levantar do chão. Olhei para os lados, para meu humilde quarto no porão da casa dos meus avós, e tentei não reparar em que se assemelhava. Um ninho de rato, talvez? As cobertas estavam jogadas de qualquer jeito na cama, meu armário de carvalho, aberto, revelava meu estilo incomum:             Camisetas de bandas antigas para todos os lados, correntes penduradas aonde minhas calças deveriam estar, um velho all-star preto em um pequeno compartimento próprio para sapatos. Seis calças jeans, duas delas rasgadas propositalmente, estavam cuidadosamente dobradas em cima das camisetas. Acima disso tudo, estavam minhas blusas. Três blusões negros como meus cabelos, com capuz do jeito que eu gostava, um tão cinza quanto as nuvens que pairavam acima da velha Jump City. Suspirei e, a contragosto, olhei-me no espelho.
            Encarei aquele maldito garoto alto e um tanto musculoso, cujos cabelos bagunçados tampavam-lhe a testa um tanto úmida. Os olhos azulados do garoto do espelho eram brilhantes, mas não tinham um brilho alegre. Era quase... Maníaco, perigoso. Hostil talvez fosse a palavra certa.
                Sim, a hostilidade combinava com o porte físico do Dick Grayson do espelho. Combinava com suas enormes unhas afiadas – garras, na verdade -, com suas orelhas caninas que destacavam-se acima da cabeleira negra como dois montes fofos de neve, e também combinava com a enorme cauda branca que balançava-se para esquerda e para a direita ritmadamente, em movimentos quase hipnotizantes.
                Em qualquer desenho japonês, os fãs adorariam aquela cauda.
                Eu simplesmente odiava aquela cauda.
                Novamente suspirei, agora de nervosismo, e saí de meu quarto sem calçar minhas pantufas de coelhinhos (O quê? Eu gosto de coelhos!). Desci as escadas correndo e abri a porta da cozinha de supetão, quase pulando em cima da mesa. Logo senti quatro interrogativos olhos castanhos me encararem, e preferi olhar o de minha avó, sentada ao lado de vovô.
                - Dick! - Disse ela, sorrindo marotamente. - Não é assim que se entra em uma cozinha, querido. Mas sente-se, vamos! Bom dia.
                Não esperei meu avô me repreender por ainda não ter me trocado e joguei-me na cadeira mais próxima ao mesmo tempo em que pegava o pão fresquinho da sacola. Cortei-o enquanto respondia minha avó com um simples “bom dia”.
                Vovó era a melhor pessoa que se podia ter a sorte de encontrar. Tinha bondosos olhos castanhos que combinavam quase perfeitamente com os cabelos cor-de-chocolate. Pintados, é claro. Já vovô era mais conservador, embora também fosse muito legal. Os olhos castanhos eram mais severos, mas suas rugas em torno dos olhos denunciavam seu constante sorriso. Nunca acreditei em Papai Noel, mas imaginava-o, de certo modo, parecido com vovô.
                Foi um café extremamente rápido, ainda mais com vovô olhando para mim de soslaio e murmurando coisas como “já acordou atrasado” e “cães deveriam acordar com a luz do sol” (Ele sempre levava um doloroso cutucão nas costelas após dizer esse último). Por fim, cansei de brincar com os únicos humanos na face da terra que amava e voltei para o meu abafado quarto. Vesti minha calça jeans tão rápido que me esqueci de tirar a calça do pijama. Levei um tempo para me tocar e, com a pressa, sequer tirei a calça quente. O capuz de meu blusão cinza cobria minhas malditas orelhas e minha calça reprimia a cauda peluda, mas eu simplesmente não tinha como esconder as presas ou as garras. Eu não tinha como esconder minha origem.
                Olhei-me no espelho mais uma vez e sorri, tentando pensar positivo. Talvez não fosse um dia tão infeliz, aquele.

                A Jump City High School era uma simples escola pública no centro de Jump City. Ok, não era simples porcaria nenhuma – para ser franco, era cheia de mármore e coisas brancas. Coisas do governo, vai entender... Enfim, não era tão grande quanto as fotos diziam. Apenas dez salas, sendo uma de informática, três laboratórios e uma quadra de concreto. No fim, os primeiros e segundos anos, os mais numerosos, ficavam espremidos em duas salas com suporte para 30 alunos. Bem, normalmente tínhamos 40, mas as salas sempre mudavam.
                Não me importava muito com isso, afinal não estava no primeiro ou segundo ano. Era um terceiranista, mas não conseguia respeito nem dos calouros. Em passos largos, e olhando para o chão com minha pesada mochila negra nas gostas, eu me dirigi para a sala 09, onde eu normalmente estudava. Tirei meu celular do bolso e olhei o horário; 07:50, e a aula começava às 08:00. “Atrasados”... Ri levemente ao entrar na sala, divertindo-me com a lembrança de meu não-muito rabugento avô reclamando de minha demora.
                Em tal ato, acabei revelando minhas incomuns e incrivelmente afiadas presas, o que fez muitos prenderem a respiração ao olhar para mim. Como sempre, fui para a última cadeira da última fileira, de frente para a janela, e contei até cinco.
                No quatro eles apareceram.
                Eram fortes, quase o dobro de meu tamanho horizontal, embora fossem mais baixos que eu. Eram morenos e tinham o cabelo pintado de loiro. Nas mãos de um, um celular de última geração tocando o que parecia ser uma espécie de rap. No boné, o apelido de cada um: No mais alto, uns dois centímetros mais baixo do que eu, o nome de “Joe”. O do meio, mais gordo e mais forte do que os outros dois, era o “Fuckass”, enquanto o mais baixinho, o que tinha nas mãos o maldito celular, era o “Cock”. Eu tinha muito, muito medo de imaginar porque ele tinha esse apelido... Enfim, olhei para a janela, para a praça que ficava exatamente em frente à minha linda escolinha que eu simplesmente amava.
                - Ei, cãozinho! - Gritou Fuckass, o líder daquele bando de idiotas.
                - Trouxemos um presente para você! - Completou Joe, com um sorriso sarcástico, enquanto Cock jogava em mim um osso de borracha. Peguei o brinquedo no ar e, ainda olhando para fora desinteressadamente, furei-o com a unha do dedo indicador. Era tão gostoso estraçalhar aquele osso de borracha... Quase como cortar manteiga! Virei-me para o osso e continuei a retalhá-lo, agora com um pouco mais de interesse. Até que nada mais restou a não ser finíssimas tiras de borracha, que eu segurei firme antes de olhar para o trio de imbecis.
                - Vocês não sabem o quanto estou me segurando pra tornar vocês montes de pele menores do que isso – Chacoalhei as tiras de borracha branca na frente dos três, que agora olhavam para mim com certo receio. - Hoje estou com um péssimo humor, então é bem melhor que se afastem. Só por hoje, logo vão poder brincar com seu cãozinho novamente. - E sorri maldosamente para eles, fazendo-os se afastarem.
                Nenhuma risada, nenhum xingamento ou ofensa a não ser aquele osso. Eles não me fizeram levantar ou me encostaram na parede, não me roubaram ou me bateram. Nenhuma ameaça, também. Eles simplesmente se afastaram, como lobos que, ao perceber a força da presa, desistem da caça.
                Nunca havia me dado conta do quão assustador era. Ou foi apenas o som irritante do sinal que os levou de volta a seus lugares.
                Suspirei pela terceira vez no dia e atirei as tiras de borracha pela janela. Visualizei-as caindo com um prazer quase incompreensível... Até avistá-la.
                Estava encostada em uma árvore, mas não estava sentada, talvez para não manchar de terra o branco vestido, cheio de babados, laços e flores rosas. Em um animê, aquilo se chamaria “vestido lolita”, sem dúvidas. Um vestido normalmente usado por crianças ricas, e acho que aquele era o caso. Ela tinha longos – eu disse longos mesmo, iam até as coxas, se não me engano – cabelos prateados e a pele mais branca que eu já vira até então. Uma albina, talvez? Não sabia, e ela mantinha os olhos fechados e os braços cruzados. Então, uma leve brisa sacudiu os cabelos daquela menina e ela levantou a cabeça, abriu os olhos... E olhou diretamente para mim.
                Tive que me segurar para não gritar com o que vi. Estava esperando olhos azuis ou esverdeados, mas o que vi foram dois enormes orbes perolados me encarando firmemente. Mais do que isso, eles pareciam oscilar entre o branco e o amarelo, e a garota não tinha mais a expressão serena de antes. Agora era uma careta estranha, uma espécie de sorriso demoníaco. Arregalei meus olhos e senti minha respiração acelerar, então escutei uma voz conhecida me chamar:
                - Senhor Grayson? Senhor Grayson! - Minerva. A maldita coordenadora disciplinar que ninguém gostava, mas todos fingiam gostar e, por algum motivo, me lembrava uma vovó velha e rancorosa, que se segurava para não chorar a qualquer instante. Olhei para a fonte da voz, na frente da sala, e deparei-me com a velha me encarando firmemente com aqueles olhos castanho-claros.
                - Desculpe professora Minerva. - Respondi, e olhei para fora. Não me surpreendi ao visualizar nada mais do que a bela pracinha; a garotinha havia desaparecido.
                - Bem, como eu dizia... - Continuou Minerva com sua voz de vendedora de telemarketing. - Estamos no final de abril e suas provas trimestrais foram as melhores do ano. Parabéns. - Ela esperou a gritaria de entusiasmo dos inúmeros geeks [N/A: Nerds] da minha sala se acalmar antes de continuar. - Sim, sim, mas não é só isso. Temos também novos colegas para vocês! Naraku, por favor. - Ela gesticulou duas vezes com as mãos, chamando alguém fora da sala. Pelo nome, eu sabia que era alguém oriental. Na certa um japonês.
                E não é que eu acertei?!
                Arregalei os olhos ao fitar aquela enorme nihonga, acho que tinha uns 1,70 (Dez centímetros mais baixa do que eu), o que me espantou, afinal todas as japonesas da minha sala – e da escola – eram realmente baixinhas. O que mais me impressionou não foi isso, mas sim o fato de que suas feições serem extremamente parecidas com a da garotinha da praça. Naraku postou-se do lado direito de Minerva e senti aqueles frios olhos de ônix me encararem com tamanha insistência que fui forçado a abaixar o olhar, mas sem antes visualizar seu belo corpo: Os seios fartos pronunciavam-se no generoso decote de uma camiseta que, reconheci, era do treino de voleibol. Ela não fazia questão de esconder a barriga branca e lisa, e eu corei ao olhar para as coxas de Naraku, cobertas apenas pelo fino pano da apertada calça jeans. Percebi, também, que seu enorme cabelo negro ia também até as coxas, como os da albina.                 Talvez fosse só uma triste coincidência, a sensualidade de Naraku superava deveras a inocência de uma pequena criança... Claro que eu não tinha muita certeza se aquela tal criança albina era tão inocente assim. Nem se ela existia de fato.
                - Meu nome é Naraku no Hana. - Disse Naraku, e senti meu coração acelerar com aquelas palavras tão simples. A voz dela era simplesmente... Perfeita! - Não importa o significado, mas sim, tem a ver com flor. Tenho dezoito anos, e é só o que precisam saber.
Acho que foram umas duas dúzias de palavras, as que Naraku no Hana pronunciou. As palavras mais bem ditas que aquela garota pronunciaria.
                Naraku sentou-se na minha frente, o que era um grande... Incômodo. O cheiro dela era forte, mas não era nenhum perfume ou algo do gênero. Era... Talvez fosse cheiro de mulher? De repente, senti-me incomodado, como se algo estivesse faltando. A beleza de Naraku parecia superar a beleza de certo modo infantil das garotas de 18 anos que eu conhecia. Ela parecia ser mais... Mulher, de certa forma.
                De repente, eu percebi que não acreditei em uma só palavra do que a japonesa dissera.
                As aulas do dia foram as mais chatas possíveis: Duas de matemática, uma de literatura, duas de biologia e a última de geometria. Por algum motivo, eu não tinha dificuldade alguma em tais matérias, mesmo quase sempre dormindo no meio da explicação. É, eu sei. Eu era estranho.
                Aquele dia era segunda-feira, eu deveria ficar mais algum tempo na escola para fazer alguma coisa que nem me lembro. Talvez um trabalho... Enfim, acabei saindo da escola tão silenciosamente quanto entrei. Olhei mais uma vez para a pracinha, e novamente a garota não estava lá. Suspirei e olhei para os lados: Rua deserta. Estranho, já que o céu me dizia não ser mais de duas horas da tarde.
                O tronco de um enorme carvalho parecia estar chamando meu nome, gritando por mim. Aproximei da enorme árvore e apoiei minha desproporcional mão nela. Um dia anormalmente calmo, aquele. Fuckass e sua turma de imbecis não me espancaram ou humilharam na frente da escola, nenhuma piadinha sobre minha raça fora feita... Um estranho bom dia. Olhei para o chão, e então para minha própria mão. Só aí percebi que meu punho estava cerrado e eu havia machucado a árvore.
                - Eu deveria me desculpar, mas você quem começou. – Eu estava conversando com uma árvore?! Céus, precisava mesmo de um psicólogo!
                - Ou de alguém que te entenda, inu-kun.
                Foi de súbito que me virei na direção da doce voz infantil. E vocês já podem imaginar quem era.
                A albina sorria para mim, mas não daquele modo demoníaco. Era mais inocente, não como uma criança de quatorze anos – era com uma que a albina se assemelhava -, mas como uma de nove ou dez. Ainda tinha o mesmo vestido lolita e os olhos da mesma cor oscilante, mas dessa vez... Dessa vez ela me mostrou algo além de um simples olhar.
                - Posso te contar um segredo? - Ela perguntou, e sua voz era doce e inocente como o sorriso que me mostrava.
                A garotinha não esperou minha resposta para me contar.
                Senti o mundo em minha volta escurecer e minhas pernas perderem a sensibilidade. Caí de joelhos no que parecia ser um chão de concreto, o que era estranho, já que antes eu estava na grama. Olhei em volta de mim, e minha cabeça começou a latejar com a quantidade de sons e imagens. Não soube distinguir a maioria, mas me lembro bem de uma mulher, uma mulher com marcas avermelhadas no rosto, que arrancava as cordas vocais de um homem. Ela em cima dele, em uma cama. O sangue jorrava do pescoço da pobre vítima, e a mulher olhou para cima.
                De imediato reconheci os olhos azulados de minha mãe, que havia visto em uma única foto no quarto de meus avós.
                Me lembro também de uma segunda mulher, tão ou mais sedutora que Naraku. Uma mulher de pele dourada, olhos verdes e longos e lisos cabelos ruivos, que iam até o meio das costas. A mulher sorriu para mim, mas eu sabia, de algum modo, que não era para mim de verdade. Então, eu vi suas presas.
                 “Eu conheço o passado do Dick, lalala! Eu conheço, eu sei quem ele é! Eu sei quem ele é, lalala!”
                Então, eu novamente senti o mundo escurecer ao meu redor e o lado direito do meu rosto tocar a grama úmida.

-----

O Ganido do Cão - Prólogo

"A luta não parecia ter o menor sentido, agora que o único motivo de minha batalha se fora sem muitas chances de voltar. Mas eu não me entregaria – eu dificilmente me entregava para qualquer coisa -, a morte teria que esperar.
Lembro-me bem de como era bom ter um motivo para viver. Você se sente vivo, preenchido. Então, o motivo de viver lhe trai, e as lembranças daquele tempo feliz é a única coisa que te prende à sanidade.
Querem ouvir uma história? Vou contar a vocês como vim parar nesta enorme cama branca, em um dos melhores hospitais de Jump City!
Oh, que indelicadeza a minha. Meu nome é Dick Grayson."

Quando eu ouvi esta história pela primeira vez de meu avô, tinha seis anos. Hoje, dez anos depois, eu ainda rio ao imaginar a reação dos humanos ao ver aquelas criaturas falando e impressionando a todos com suas habilidades. Há cerca de 30 anos, os primeiros Youkais apareceram. Eram apenas três casais, meu avô me contou. Os Usagi (coelho), os Neko (gato) e os Inu (cachorro). Eles se esconderam durante anos, até que a bondosa Mãe Natureza resolveu preservar tais espécies; A nova geração de Youkais, a geração que de fato nasceu na Terra, tinha a característica de seus pais, sim. Até completarem cinco anos, e somente alguns traços bestiais sobraram em meio à beleza humana que emanava daqueles filhotes.
Os Dai-Usagi (filhos dos Usagi) tinham olhos vermelhos como sangue e uma velocidade sem igual.
Os Dai-Neko (filhos dos Neko) possuíam a sensualidade e a visão do mais feroz felino, e garras tão afiadas quanto as antigas katanas de prata usadas pelos samurais japoneses.
E os Dai-Inu (filhos dos Inu) eram donos de um olfato digno de um caçador e presas tão perigosas quanto as garras dos Dai-Neko.
Claro que os Youkais acharam um absurdo – quase um insulto – terem filhotes tão parecidos com a espécie dominante que um dia os caçara. Portanto, em um ato quase desesperado, abandonaram suas crias na porta de alguns humanos.
Minha mãe foi abandonada na porta dos Grayson, uma humilde família do interior dos Estados Unidos da América que, diferentemente dos outros americanos, acreditavam na existência dos deuses gregos. Resolveram chamá-la de Lira, em referência à deusa do silêncio eterno, já que mamãe nunca falava. Ao completar 15 anos, a Dai-Inu foi brutalmente violentada por um bêbado “convidado-de-um-convidado”, em sua própria e humilde festa. Por algum motivo, o corpo do homem amanheceu com a garganta triturada em sua cama, exatamente dois dias de violentar minha mãe. Foi assim que ela engravidou. Foi assim que eu nasci, e foi assim que a primeira e última Dai-Inu foi morta: Vítima da violência humana. No entanto, uma nova raça nascia! Meus avós me chamavam de “Tai-Inu”, o neto dos Inu, mas a escola inteira me conhecia como “Hanyou (mestiço)”, o filho da violência.
É isso aí, este sou eu! Dick Grayson, o estudante de dezessete anos, olhos azuis e cabelos negros que toda fútil garota humana gostaria de ter, se não fosse minha enorme e peluda cauda branca que começava logo acima de meu traseiro, as orelhas de cachorro, também brancas, que mais pareciam orelhas de gato, minhas presas afiadas que me deixavam parecido com um vampiro (Argh!) e meu nariz sensível que consegue sentir o cheiro de cocaína a mais de um quilômetro e meio da droga. Hey! Talvez fosse esse o motivo de nunca ter sido convidado a nenhuma festa dada por algum veterano do colégio!


-----


Capítulo I